O governo Bolsonaro e a banalidade do mal, por Rogério Melo

In Vino Veritas O governo Bolsonaro e a banalidade do mal, por Rogério Melo

Por Rogério Melo
Para o Por Dentro do RN

Na última quarta-feira, 20, a tão esperada leitura do relatório final, que marca a conclusão dos trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia, foi realizada pelo relator Renan Calheiros (MDB-AL), onde ao longo de 1.180 páginas recomenda o indiciamento de 66 pessoas físicas e duas pessoas jurídicas (Precisa Medicamentos e a VTCLog).

As investigações que fundamentam os indiciamentos revelam supostos atos de corrupção na aquisição de vacinas pelo Ministério da Saúde, a postura negacionista por parte do Governo Federal em relação às vacinas e ao vírus SARS-CoV-2 (coronavírus) – causador da Covid-19, e com uso de tratamentos sem qualquer respaldo científico contra a Covid-19.

O relatório e os documentos que embasaram as investigações da comissão serão encaminhados às autoridades responsáveis pela persecução criminal, que consiste em investigar o fato infringente à norma penal e pedir, em juízo, o julgamento da pretensão punitiva. Os indiciamentos se baseiam Código Penal (CP), sobretudo nos artigos relacionados à propagação da doença – 267 (epidemia com resultado morte), 268 (infração de medida sanitária preventiva) e 286 (incitação ao crime); e à corrupção na compra de vacinas – 299 (falsidade ideológica), 319 (prevaricação) e 333 (corrupção ativa); Tratado de Roma (Decreto nº 4.388, de 2002); Lei de Crimes de Responsabilidade (Lei 1.079/1950); Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/1992); Lei Anticorrupção (Lei 12.846/2013); Lei de Organização Criminosa (Lei nº 12.850/2013).

Caso seja dado prosseguimento pelos órgãos competentes a novas investigações, os indiciados podem ser responsabilizados por outros crimes nas esferas cível, penal e administrativa. A caracterização de crimes contra a humanidade contra o presidente Jair Bolsonaro, por sua vez, exige que os documentos sejam remetidos ao Tribunal Penal Internacional, na cidade de Haia (Holanda), na costa do mar do Norte da região oeste dos Países Baixos. Jair Bolsonaro chegou a ser comparado pela ex-juíza brasileira daquele tribunal, Sylvia Steiner, com Omar al-Bashir, ex-presidente do Sudão, condenado por crimes de guerra e contra a humanidade.

O presidente encabeça a lista, indiciado pelos crimes prevaricação, charlatanismo, epidemia com resultado morte, infração a medidas sanitárias preventivas, emprego irregular de verba pública, incitação ao crime, falsificação de documentos particulares, crimes de responsabilidade (violação de direito social e incompatibilidade com dignidade, honra e decoro do cargo), e conforme já citado, crimes contra a humanidade (nas modalidades extermínio, perseguição e outros atos desumanos).

Além do presidente, também foram indiciados por outros crimes o atual ministro da Saúde, Marcelo Queiroga e o ex-ministro da mesma pasta, Eduardo Pazuello (artigos 267, 315, 319 e 340 do Código Penal, e art. 7º do Tratado de Roma).

Outros três ministros também estão sendo indiciados, Onyx Lorenzoni, ex-ministro da Cidadania, hoje ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência da República; Walter Braga Netto, ministro da Defesa e ex-ministro chefe da Casa Civil; e Wagner de Campos Rosário, ministro-chefe da Controladoria Geral da União – e dois ex-ministros, Ernesto Araújo, das Relações Exteriores e Fábio Wajngarten, da Secretaria Especial de Comunicação Social.

A lista das 66 pessoas indiciadas ainda conta com deputados, empresários, parlamentares e integrantes do chamado “Gabinete Pararelo” tais como os médicos Nise Yamaguchi e Luciano Dias Azevedo, o empresário Carlos Wizard e biólogo Paolo Zanotto, bem como o presidente do Conselho Federal de Medicina, Mauro Luiz de Brito Ribeiro.

Os rastros de morte e destruição deixados pela necropolítica (pegando de empréstimo o conceito desenvolvido pelo filósofo camaronense Achille Mbembe), promovida pelo movimento bolsonarista, parecem traduzir bem esse conceito por meio do qual Mbembe questiona os limites da sobenaria de um estado, quando em nome dessa soberania, ele escolhe aqueles que devem viver ou morrer. Não é exagero lembrar dos notáveis assassinos da nossa história como o fez a jurista Sylvia Steiner comparando o nosso presidente ao ex-residente sudanês.

Talvez qualificá-lo como um genocida seja, de fato, um exagero, conforme o fez o relator Renan Calheiros, num primeiro momento em seurelatório, mas que a pedido do presidente da CPI, Omar Azis (PSD-AM), declinou da decisão, reenquadrando-o num outro tipo penal muito próximo, e homônimo ao que fora o ex-presidente Omar Al-Bashir. As estatísticas funestas trazidas à luz pelo relatório suscitam outras reflexões e ressuscitam outras tristes feridas, ainda abertas, na história da humanidade, como os holocaustos alemão, italiano e russo – países que no passado, sob o domínio dos seus regimes totalitários, submeteram suas populações às mais atrozes formas de tortura e extermínio.

E aí, peço permissão ao leitor para o resgate de um outro conceito, desta vez, desenvolvido pela filósofa política alemã de origem judaica, Hannah Arendt. Para Arendt, a “banalidade do mal” seria a mediocridade do não pensar, a força motriz por trás do gênio exterminador de vidas.

Um conceito, invariavelmente, mal compreendido por alguns especialistas, por atribui-lo a pessoas “destituídas da capacidade de pensar”, como o fez ao discutir erigir tal conceito para discutir o julgamento de Adolf Eichmann, iniciado em 1961, em Jerusalém, e que resultou na pena de morte por enforcamento, ocorrida em 1962, nas proximidades de Tel Aviv. Arendt não atribui o mal ao nazista julgado, para quem suas ações criminosas foram motivadas pela sua condição de “burocrata zeloso” e pela sua incapacidade de pensar por si.

Na minha opinião, a história já nos ensinou o suficiente para entendermos que a banalidade do mal não se trata um sentimento que preenche o vazio institucional deixado pela incapacidade de pensar. A banalidade do mal, pelo contrário, é um sentimento que se nutre justamente pela incapacidade de sensibilizar-se com a dor do semelhante, com a incapacidade de sentir empatia, remorso, medo e, sobretudo, pelo sentimento de sentir-se a tal ponto tão superior aos seus semelhantes, que jamais será penalizado pela dor provocada contra seus corpos.

A banalização do mal, portanto, é o próprio cálculo e desejo doloso de extinguir toda e qualquer dissonância contra sua própria existência.

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Sobre Rogério Melo, que escreve na coluna In vino veritas, no Por Dentro do RN

Coluna de Rogério Melo para o Por Dentro do RN (In Vino Veritas)

Rogério Melo tem 51 anos, é comunicador social, cientista social e mercadólogo formado pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Também é mestrando em Ciência da Informação pela mesma instituição. Além disso, Rogério Melo escreve na coluna In vino veritas, no Por Dentro do RN, geralmente às sextas feiras; e comenta sobre os fatos políticos do RN e do Brasil. É proibida a reprodução total ou parcial deste texto sem autorização do autor e sem a inserção dos créditos, de acordo com a Lei nº 9610/98.


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