CGU investiga pagamento de ‘adicional Covid’ pela Secretaria de Saúde de Natal em unidades que não atendiam pacientes de coronavírus

CGU investiga pagamento de 'adicional Covid' pela Secretaria de Saúde de Natal em unidades que não atendiam pacientes de coronavírus

Auditoria do órgão suspeita que Secretaria de Saúde de Natal teria pago adicional Covid que ultrapassa R$ 1 milhão.

Uma auditoria da Controladoria Geral da União (CGU) apontou que a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Natal pagou por plantões médicos com adicional Covid que somam mais de R$ 1,1 milhão em unidades que não atendiam pacientes com a doença. Além disso, fechou contrato com o mesmo prestador da Secretaria Estadual de Saúde Pública (Sesap/RN), para o mesmo serviço, pagando mais caro, cerca de R$ 600 mil a mais. O relatório também aponta carga excessiva de trabalho dos profissionais, tanto em unidades do Município como do Estado, além de falhas nas pesquisas de preços para contratação de mão-de-obra.

A auditoria analisou a aplicação de recursos federais para prestação de plantões médicos em unidades de saúde. Tendo em vista que não há situações apontadas cuja competência para adoção de medidas seja dos gestores federais, o relatório da CGU não traz recomendações. O relatório foi encaminhado para a Polícia Federal e o Ministério Público Federal .

Em Natal, o contrato somou R$ 8,4 milhões e foram identificadas práticas supostamente irregulares relacionadas a gestão de contratos, sem amparo legal ou as devidas justificativas, com preço contratado superior às referências praticadas na ocasião. Segundo a CGU, a contratação pela SMS teve preço unitário superior em 6,6% em relação ao negociado pela Sesap/RN, que resultou em R$ 652.162,78 a mais para o mesmo tipo de contrato.

Outra questão abordada no documento são os plantões médicos com adicional covid-19 que somaram R$ 1.157.000,00 na Unidade Mista de Mãe Luíza (UMML), mas esta não constou em nenhum boletim como unidade de atendimento da Rede de Urgência e Emergência para covid-19 em 2020. Além disso, R$ 181.440,00 foram pagos pelo mesmo serviço no Hospital Municipal de Natal (HMN) durante período em que este já não oferecia mais o atendimento, a partir de setembro de 2020.

A SMS justificou que, apesar da tentativa da pasta de manter os preços praticados no contrato da Sesap/RN, não seria possível devido ao fato de não haver, naquele momento, profissionais suficientes no Estado para suprir as novas demandas devido ao avanço da pandemia da covid-19, sendo necessário trazer médicos de outros estados da Federação para possibilitar o funcionamento dos serviços.

Sobre o pagamento de plantões supostamente não realizados na Unidade de Mãe Luiza e no HMN, por não serem hospitais de referência para atendimento Covid, disse que a unidade de Mãe Luíza foi transformada em Pronto Atendimento 24 horas em 2020 e, por tal fato, incluída no rol de serviços de enfrentamento à Covid. Contudo, não apresentou à CGU documentação probatória dos serviços de plantões que foram pagos como ‘adicional Covid’. Vale salientar que o contrato delimitou nominalmente as unidades que fariam o atendimento e tratamento dos casos, em especial os mais grave, não incluindo a UMML.

Em relação ao Hospital Municipal, argumentou que o fato de não haver destinação de leitos para o tratamento de pacientes Covid-19 na unidade por um determinado período não seria impeditivo para o pagamento de adicionais dos plantões médicos, como, na realidade, foi pago, já que o risco de contaminação ainda existiria por se tratar de uma unidade de saúde que também atendia a casos graves, mesmo que tais atendimentos fossem voltados a outras enfermidades e situações não relacionadas à pandemia.

A reportagem da TRIBUNA DO NORTE entrou em contato com as secretarias de saúde do Estado e da capital, para saber se gostariam de acrescentar algum elemento à defesa já existente no processo. A Sesap não acrescenta nenhuma informação. A SMS não respondeu a reportagem até o fechamento desta edição.

Cargas horárias foram consideradas “excessivas”

Também chamou a atenção da Controladoria Geral da União a inconsistência nas escalas de plantão com cargas excessivas para os profissionais, tanto nas unidades da SMS/Natal quanto da Sesap/RN, implicando em riscos à qualidade do atendimento dos pacientes e saúde dos próprios profissionais. As divergências entre registros do livro de ocorrências das unidades e o relatório de ponto eletrônico também levantou dúvidas.

Em Natal, os levantamentos realizados para os três meses de amostra (maio, junho, setembro de 2020) identificaram 70 ocorrências com plantonistas que teriam superado plantões de 12 horas diárias, com destaque para três casos nos quais o cálculo da carga diária de trabalho resulta em um valor superior a 24 horas, o que seria humanamente impossível. Além disso, verificou-se que todos os registros de plantões de alguns médicos no sistema de ponto eletrônico, em outubro/2020, foram realizados manualmente, mesmo com a existência de ponto eletrônico, o que aponta para o risco de fraudes.

A secretaria admitiu a possibilidade de tais ocorrências mas atribuiu ao fato de alguns profissionais estarem com informações desatualizadas no Cadastro Nacional dos Estabelecimentos de Saúde (CNES), devido ao grande número de profissionais e da grande rotatividade que ocorre em alguns serviços. “Não obstante, esta SMS irá apurar tais divergências e irá priorizar a atualização dos cadastros dos profissionais médicos no CNES”, informou a pasta.

Já nas unidades estaduais o relatório da CGU mostra 32 ocorrências de profissionais com estimativa mensal de trabalho superior a 12 horas diárias, e, com especial destaque para seis casos em que o cálculo da carga diária de trabalho superou 24 horas e outro que teria trabalhado em plantões sucessivos de 12h, em turnos diurno e noturno, durante 27 dias seguidos tendo ainda um vínculo de médico clínico, no mesmo mês, com o Hospital Maternidade Garibaldi Alves Filho, no município de Lagoa Nova, cidade cuja sede fica a cerca de 120 km do Hospital Regional do Seridó, em Caicó, onde estaria atuando.

Em outra situação, no Hospital Pediátrico Maria Alice Fernandes (HPMAF), gerido pela Sesap/RN, um Servidor médico com função de nível de direção acumulou, no período analisado, atividades de coordenação médica e de plantonista, vinculadas à cooperativa.

A Sesap respondeu à CGU que o caso desse servidor foi pontual e provisória, mas foi necessária diante da especificidade da atividade de coordenação médica da UTI pediátrica. Reforçou também que o Ministério Público participou de três reuniões com a Coopmed, Defensoria Pública, Sociedade de Pediatria e com o médico que foi recrutado pela sociedade de pediatria para assumir a coordenação do serviço.

A pasta estadual argumentou que, no contexto de pandemia, com a expressiva expansão de leitos ocorrida no estado, somado à necessidade de afastamento dos profissionais que são considerados como grupo de risco, houve, e ainda há, reais dificuldades de provimento de pessoal, nas diversas formas de vínculo. “Dessa forma, não é incomum a sobrecarga de trabalho dos profissionais de saúde nas diversas categorias, principalmente do médico intensivista, que é o responsável por cuidar de pacientes gravemente enfermos ou com alto grau de dependência de cuidados críticos”, informou a secretaria.

Sobre o preço dos contratos, que somaram R$ 10.080.136,08, também considerados altos pela CGU, a Sesap/RN disse que, diante do cenário emergencial, a pasta aceitou a proposta que aumentou de R$1.900,00 (plantão de 12h), para o um preço unitário de R$ 2.400,00, além de outros serviços agregados, como telemedicina, diarista, parecerista (cardiologista pediátrico), todos ao custo de R$ 250/h e uma coordenação médica a R$5.000/mês. Segundo a Sesap, o suposto pagamento de ‘adicional Covid’ teria ocorrido com posicionamentos favoráveis do Ministério Público Estadual do RN e da Defensoria Pública do Estado.

Com informações da Tribuna do Norte

Foto: Joel Rodrigues/Ilustração

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