O número de denúncias de violação dos direitos humanos de crianças e adolescentes no Rio Grande do Norte aumentou 68% de janeiro a setembro de 2021 em comparação com o segundo semestre de 2020. Compilados pelo Instituto Santos Dumont (ISD), com base no Painel de Dados da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, órgão vinculado ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, os números apontam que foram realizadas 1.577 denúncias envolvendo crianças e adolescentes no período analisado com, pelo menos, 6.067 violações registradas (156,64% de aumento).
Os quantitativos, que são considerados subnotificados, são superiores às denúncias relativas ao descumprimento dos direitos básicos de idosos e mulheres, e não se resumem aos maus tratos. Os casos de violência sexual contra crianças e adolescentes estão cada vez mais comuns, o que chama atenção da preceptora multiprofissional psicóloga do ISD, Carla Glenda Silva.
“Os números cresceram pelo fato da denúncia ou comunicação do fato envolvendo crianças ou adolescentes ser obrigatória aos órgãos federais. Quando essa denúncia não é feita por um Conselho Tutelar, por exemplo, geralmente é feita de forma anônima. Mas os números ainda são subnotificados, pois muitas pessoas ainda sentem medo em denunciar. Esse número, das crianças e adolescentes, ainda não corresponde à realidade”, analisa a psicóloga que é doutora em Ciências da Saúde e atua no acolhimento de crianças e mulheres vítimas de violência sexual no Centro de Educação e Pesquisa em Saúde Anita Garibaldi (Anita), vinculado ao ISD, em Macaíba (RN).
A pandemia, que obrigou a população mundial a realizar o isolamento social como uma das medidas mais efetivas de combate ao coronavírus, é uma das possíveis causas do aumento dos registros de denúncias. “A pandemia pode ter provocado a ocorrência de mais casos, pois as pessoas passaram a ficar mais tempo juntas em casa. Geralmente, quem comete uma violência sexual, já foi violentado da mesma forma antes. Houve um aumento na procura pelos serviços de acolhimento psicológico. Mas as famílias ainda resistem à denúncia, na maioria dos casos. Dificilmente, o agressor é uma pessoa de fora do núcleo familiar ou do convívio diário da criança ou do adolescente”, declara Carla Glenda Silva.
O promotor de Defesa da Infância e Juventude, Manoel Onofre de Souza Neto, do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte (MPRN), atua no acompanhamento de casos que envolvem crimes sexuais contra crianças e adolescentes. Ele ressalta que o fechamento das escolas, que funcionavam como um canal de oferecimento de denúncias contra os supostos agressores, prejudicou o trabalho de enfrentamento dos casos.
“A pandemia trouxe, no caso dos crimes sexuais, uma situação preocupante. As crianças e adolescentes estão mais tempo em casa, onde ocorrem a maioria dos casos de violência sexual. Esses casos tiveram um decréscimo, mas depois voltaram a ter uma nova dinâmica”, analisa o promotor.
Diagnóstico
O MPRN produziu um relatório, resultado de uma pesquisa quantitativa e qualitativa, acerca da estrutura e de atuais condições de atendimento a crianças e adolescentes vítimas e/ou testemunhas de violência sexual no Município de Natal. Foi realizado um mapeamento dos serviços de atendimento no referido município por meio de entrevistas por contatos telefônicos, WhatsApp e/ou presenciais, com posterior sistematização e análise dos dados coletados, com o objetivo de conhecer a realidade da rede de proteção local, com vistas a construir estratégias coletivas e integradas para uma melhor gestão e atuação entre todos os aparelhos sociais que a compõem.
Os responsáveis pelo relatório apontam que no “que se refere ao fluxo em geral, foi possível observar entraves estruturantes para a política de atendimento infanto-juvenil, como insuficiência de pessoal, tecnologias/sistemas da informação, capacitações, comunicação e a falta de clareza em relação aos papéis e responsabilidades compartilhados. Mas também desafios no que concerne às metodologias de abordagem e atendimento de crianças e adolescentes em situação de violência sexual; ao número reduzido de programas e projetos voltados para esse público na área governamental, mas, principalmente, não governamental; e à fragilidade no atendimento terapêutico, no acompanhamento da saúde mental e no serviço de perícia especializada”.
Para mitigar as deficiências atuais, o MPRN aponta a necessidade “da formulação de uma política de educação permanente para todos os atores das políticas intersetoriais (assistência social, educação, saúde, conselhos de direitos e tutelares, agentes de segurança e outros); clara definição dos fluxos e protocolos de procedimentos para a melhoria na sistemática dos atendimentos; publicização formal para o atendimento intersetorial; os dados estatísticos devem ser melhor trabalhados pelos serviços em geral”.
Enfatizou, ainda, que “mostra-se imperante a necessidade da retomada da discussão e da formulação do Plano Municipal de Enfrentamento à Violência Sexual em Natal/RN, como um instrumento balizador e orientador das políticas públicas envolvidas, em termos de mobilização e comunicação”, com a posterior criação de um Centro Integrado em que a vítima pudesse ser atendida em sua plenitude.
Números nacionais
A violência contra crianças e adolescentes atingiu o número de 50.098 denúncias no primeiro semestre de 2021. Desse total, 40.822 (81%) ocorreram dentro da casa da vítima. Os dados são do Disque 100, um dos canais da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (ONDH/MMFDH). No mesmo período em 2020, o número de denúncias chegou a 53.533.
A maioria das violações é praticada por pessoas próximas ao convívio familiar. A mãe aparece como a principal violadora, com 15.285 denúncias; seguido pelo pai, com 5.861; padrasto/madrasta, com 2.664; e outros familiares, com 1.636 registros. Os relatos feitos para a ONDH são, em grande parte, de denúncias anônimas, cerca de 25 mil do total.
Mais de 93% das denúncias (30.570) são contra a integridade física ou psíquica da vítima. Os registros da Ouvidoria contaram 7.051 restrições de algum tipo de liberdade ou direito individual da criança e do adolescente. 3.355 vítimas também tiveram direitos sociais básicos, como proteção e alimentação, retirados.
Um dos dados mais preocupantes é a frequência das violações registradas dos direitos das crianças. Mais de 70% ocorriam todos os dias, como indica 23.147 denúncias e, do total do primeiro semestre, 10.365 ocorriam a mais de um ano antes do registro na Ouvidoria.
“É dever de cada cidadão ficar atento e denunciar qualquer violação de direitos humanos, principalmente aquelas em que as crianças e os adolescentes são as vítimas. Nós atendemos a quem precisar, com o apoio e a celeridade necessária para esses casos”, explica o ouvidor Fernando César Ferreira.
Disque 100
O Disque 100 é um serviço gratuito para denúncias de violações de direitos humanos, incluindo os direitos das crianças. Qualquer pessoa pode fazer uma denúncia pelos serviços, que funcionam 24h por dia, incluindo sábados, domingos e feriados. Além de cadastrar e encaminhar os casos aos órgãos competentes, a Ouvidoria recebe reclamações, sugestões ou elogios sobre o funcionamento dos serviços de atendimento.
Foto: Ascom/ISD
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