Pesquisa da UFRN revela crescimento de 7,8% nos homicídios femininos durante a pandemia, com destaque para o Nordeste
A pandemia de Covid-19 trouxe impactos significativos além da crise sanitária, incluindo um aumento preocupante na violência contra as mulheres no Brasil. Um estudo realizado pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) identificou um crescimento de 7,8% nos homicídios femininos nos primeiros meses da pandemia. No Nordeste, esse índice foi ainda mais alarmante, atingindo 19,3%. A pesquisa, que analisou dados de janeiro de 2017 a 2022, mostrou que, após um pico inicial, houve uma redução gradual nos meses seguintes.
A pesquisa foi conduzida por Karen Raquel Ferreira do Nascimento, como parte de seu mestrado no Programa de Pós-Graduação em Demografia (PPGDem) da UFRN, sob orientação da professora Karina Cardoso Meira. O estudo integra o projeto “Homicídios e feminicídios no Nordeste brasileiro nos últimos quarenta anos”, que investiga os homicídios de mulheres no Brasil, com foco na região Nordeste desde 2017.
Impacto do confinamento na violência doméstica
A pesquisa analisou a relação entre os homicídios de mulheres e o contexto da pandemia. A hipótese inicial era que as medidas de confinamento, ao restringirem a mobilidade, poderiam ter intensificado a violência doméstica. Para testar essa relação, foi utilizada a técnica de análise de série temporal interrompida, que permite identificar impactos inesperados e avaliar como um evento altera o comportamento ao longo do tempo.
Os dados revelaram que o domicílio foi o principal local dos homicídios, indicando que, para muitas mulheres, a própria casa se tornou um ambiente de risco. As vítimas eram, em sua maioria, adolescentes e mulheres jovens. Armas de fogo foram o método mais comum, tendência que pode ter sido impulsionada pela flexibilização do Estatuto do Desarmamento nos últimos anos.
Padrões de violência e suas transformações
O estudo mostrou que os homicídios dentro de casa superaram os registrados em espaços públicos, reforçando o impacto do isolamento na escalada da violência doméstica. No entanto, os assassinatos cometidos fora do ambiente doméstico também apresentaram alta nos primeiros meses da pandemia, indicando que a violência contra mulheres não se limitou ao espaço privado.

Os padrões de execução dos crimes também sofreram alterações ao longo do período estudado. O uso de armas de fogo para cometer homicídios femininos aumentou no início da pandemia, mas apresentou queda gradual nos meses seguintes. Em contrapartida, assassinatos cometidos com facas ou objetos contundentes seguiram a trajetória oposta, com uma redução inicial e crescimento posterior. Essa mudança sugere variações no acesso a armas e nas dinâmicas de violência, refletindo possíveis adaptações dos agressores às circunstâncias impostas pelo confinamento.
Vulnerabilidade de adolescentes e jovens
O levantamento identificou que mulheres entre 15 e 39 anos registraram as maiores taxas de homicídio, enquanto as de meia-idade e idosas apresentaram coeficientes mais baixos. A maior vulnerabilidade entre adolescentes e mulheres jovens pode estar associada à exposição a relacionamentos abusivos e ao envolvimento em contextos de violência urbana.
Comparação com outros países
A pesquisa comparou os dados brasileiros com padrões observados em outros países. No Chile, México e Peru, os homicídios de mulheres seguiram um padrão em “U”, com queda no início da pandemia e alta posterior. Na Espanha e na Turquia, as taxas de feminicídio permaneceram estáveis, mas houve um crescimento nas denúncias de violência doméstica. Já nos Estados Unidos, embora os homicídios de mulheres não tenham aumentado significativamente, registrou-se um crescimento na compra de armas e nas ameaças dentro de casa.
Mesmo com diferenças regionais, um fator comum foi a piora das condições de proteção às mulheres. A sobrecarga dos sistemas de saúde e segurança, o aumento do consumo de álcool e a retração econômica dificultaram a resposta das instituições e deixaram muitas vítimas sem apoio.
Desafios para combater a violência de gênero
Apesar da aparente queda nas taxas de homicídios durante a pandemia, as pesquisadoras alertam que a violência de gênero continua sendo um problema crítico no Brasil. “O Brasil apresenta taxas de homicídios femininos que o classificam como uma região altamente violenta contra as mulheres. Os dados do Atlas da Violência indicam aumento da violência contra a mulher, homicídios e feminicídios após a pandemia”, disse a professora Karina Meira.
O estudo reforça a importância de fortalecer os sistemas de notificação, ampliar a proteção às vítimas e investir em estratégias intersetoriais para combater essa violência de forma efetiva. “A redução nas taxas não significa uma melhoria no quadro geral, mas sim uma mudança na forma como os dados são registrados e interpretados”, acrescenta a pesquisadora.
Medidas urgentes necessárias
Diante desse panorama, especialistas defendem a adoção de medidas urgentes para mitigar os impactos da violência de gênero no Brasil. Entre as principais recomendações estão a criação de mecanismos mais eficientes de monitoramento, a ampliação das redes de acolhimento para mulheres em situação de risco e a adoção de políticas públicas que enfrentem as causas estruturais da violência.
Foto: Pien/Divulgação/UFRN
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