Diante dos casos envolvendo um grupo de advogados criminalistas flagrados intermediando a troca de bilhetes entre as lideranças do crime organizado dentro das unidades prisionais do Rio Grande do Norte, a Secretaria da Administração Penitenciária (Seap) estabeleceu novas regras para a assistência jurídica nos presídios. Os advogados, agora, passarão por aparelho de raio-x semelhante aos utilizados em aeroportos (bodyscam) e estarão limitados a 30 minutos de atendimento por cliente.
A decisão da Seap foi confirmada pelo juiz federal plantonista, Francisco Glauber, na noite deste domingo (1º.mai.2022), após mandado de segurança impetrado pela própria Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). O magistrado entendeu como “razoável e proporcional” o tempo de 30 minutos para a assistência jurídica dos advogados, visto “a necessidade logística e de observância de toda a rotina de uma unidade prisional”. Sobre o bodyscam, o juiz entendeu que o equipamento já é utilizado “até mesmo em unidades judiciais”. “Isso não traz qualquer ofensa jurídica à dignidade da profissão”, decidiu.
“As medidas tomadas pela Seap são importantes porque visam impedir rebeliões, motins, homicídios e o aumento dos índices de criminalidade. Tem o objetivo evitar eventos críticos no sistema prisional. O crime organizado está usando uma minoria de advogados para levar mensagens ilícitas e desestabilizar a paz social”, disse o secretário da Administração Penitenciária, Pedro Florêncio.
Na decisão, no entanto, o magistrado suspendeu outras medidas que a Seap entendia como necessárias para a segurança pública, a exemplo do atendimento jurídico de um preso por advogado ao dia, por unidade prisional, e a revisão de seus pertences, inclusive da documentação. A medida, segundo a secretaria, seria importante por causa da troca de bilhetes que foram apreendidos dentro dos presídios. “Lamentamos a decisão que limitou o exercício da manutenção e controle da segurança, da ordem e da disciplina. Mas o Estado, quando for notificado, vai recorrer através da PGE”, garantiu o secretário Pedro Florêncio.
Posicionamento da OAB/RN
O presidente da OAB/RN, Aldo Medeiros, afirmou que as medidas surpreenderam a categoria e defendeu que não há motivo para as novas regras estabelecidas. “Não só discordamos, como também fomos surpreendidos. O diálogo que era mantido foi desprezado completamente. Há uma violação clara às prerrogativas dos advogados. Já conseguimos derrubar as duas medidas mais drásticas e continuaremos lutando para que não haja limitação de 30 minutos na conversa do advogado com o seu cliente, e que também ele possa atender mais de um cliente em uma só viagem. Imagina um advogado que reside em outra cidade tendo que passar várias pernoites na cidade onde os clientes estão recolhidos para poder cumprir o seu papel”, argumentou o presidente da OAB, Aldo Medeiros.
Saiba mais sobre a troca de bilhetes e o conteúdo das mensagens
Quanto à troca de mensagens, a Seap estipula que, de acordo com mensagens apreendidas, os “gravatas”, como são chamados os advogados com ligações perigosas com criminosos, chegam a receber até mil reais por intermediação das conversas.
Ainda segundo a Seap, o serviço é importante para o crime organizado pela impossibilidade dos detentos terem acesso a aparelhos celulares. No sistema prisional, não existem celas com energia elétrica e as revistas são extremamente rigorosas. “Não vou mais mandar gravata (advogado) aí porque CADA IDEIA É MIL REAIS”, SIC de um dos bilhetes em poder da polícia.
Em uma das interceptadas durante a troca de bilhetes levados por um advogado, constam crimes como tráfico de drogas, porte e posse de arma de fogo e movimentação detalhada financeira da organização criminosa. “Em relação a LSD, para conseguir e ajeitar o material, a mulher de XXXXX que vai ensinar como fazer acontecer. Aonde estão os MÓNEIS, O FERRO (ARMA) E OS DINHEIROS, ele ficou na mão dela”, diz umas das mensagens apreendidas.
Em outro trecho, o interlocutor diz: “Em cima da ideia do XXXXX, já que ele vem passando por cima das ideias é para afastar ele da QBD (Quebrada. Ponto de venda de drogas) e para brecar ele de vender por 6 meses, se passar por cima, levar ele para o conselho (liderança de facção) e explicar o que levou a isso. Caso passe por cima das ideias do XXXXX, XXXXX e do conselho, já era. Em cima das mercadorias, os manos XXXXX e XXXXX, tão com autonomia de abastecer geral”. São identificados 25 pessoas em estrutura organizada e com divisões de tarefas, típica de organizações criminosas.
Com outro advogado, também na penitenciária de segurança máxima, foi apreendido o seguinte bilhete: “Aí XXXXX tá sabido demais. O cavalo lá eu tenho interesse mas desse valor não. O cavalo lá eu conheço. Dá pra ficar por 65 1 de leite 1 de oro 10 mil”.
Outra mensagem, desta vez apreendida com uma advogada, fala da disputa por pontos de venda de drogas. “Mano velho, o que eu posso fazer para te ajudar é colocar dois aviões lá no campo, desde que pegue comigo. Se você encantar de mandar colocar avião para trabalhar com mercadoria dos outros não vai dar certo porque eu vou mandar parar”.
Outro bilhete, apreendido na sala de atendimento dos advogados, após a assistência jurídica a três internos, trata da venda de entorpecentes e produtos de roubos e furtos. O material foi apreendido e registrada ocorrência na Polícia Civil. “Foi determinado que o rapaz ia vender lá dentro do beco. Ele começou a discutir e todos pegaram a visão do que aconteceu e ele foi disciplinado”, diz um dos trechos.
O material apreendido no sistema penitenciário foi encaminhado à Polícia Civil e ao Ministério Público para ser objeto de investigação. Algumas apreensões foram registradas pelas câmeras de circuito interno das unidades, inclusive casos de troca de salas de atendimento para que o advogado pudesse falar com liderança do crime organizado que sequer era cliente dele. As imagens também estão em poder das autoridades.
Foto: Reprodução/Seap
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