Por Ana Beatriz Amorim
Para o Por Dentro do RN
Anos atrás, ainda estudante do curso de Jornalismo, estive visitando o Instituto Juvino Barreto para participar de um projeto chamado “Me conte a sua história”, que pedia para que eu escrevesse textos a respeito das histórias para uma futura publicação. Recordo que, ao chegar ao local, fui bem recebida pelos idosos e pela administração. Estava ali para fazer uma matéria e, se não fosse assim, acredito que teria adiado mais alguns anos (ou décadas) a visita.
Os idosos, em sua maioria simpáticos, sorriam para a minha câmera; outros, por sua vez, preferiam não se manifestar e mantinham-se a uma distância imprópria para os meus closes. Ou melhor, para os closes que eu poderia fazer das marcas do tempo em seus rostos. Era um local que sempre tive a vontade de visitar.
Vontade, vontade? Não sei, mas sempre pensei que deveria ir. Fiz os registros, gravei os depoimentos e, ao retornar para o computador, nunca consegui transcrever aquilo que ouvi. Confesso que não tive preparo suficiente para colocar um ponto final nos relatos. Esse lugar sempre foi esquecido por muitos. O isolamento, as ilhas; o asilo, um lugar de asilamento.
Aquelas pessoas estão ali isoladas; estão ali em um lugar onde são colocadas para ficar onde não se conhecem e são obrigadas a conviver umas com as outras naquele cotidiano. Geralmente, são colocados ali por um filho, um tio, um parente, uma pessoa que acha que os idosos não servem mais para a sociedade. Um descarte; você está descartado da sociedade e deve ir para um asilo.
Coloquei na cabeça que ali não iria voltar tão cedo. Egoísmo da minha parte pensar assim? Talvez tenha sido. Sei que saí de lá como quem dá uma espiada no futuro, não está preparada para isso e desiste arrasada. Anos depois, agora inserida no universo das artes visuais e junto aos amigos do curso, voltei a habitar aquele mundo, não mais como quem pensa que os vinte e poucos anos duram para sempre.
Com o propósito de contribuir na prática para o desenvolvimento dos idosos, revivi a cena dos tantos sorrisos, das também caras amarradas e ainda notei uma tristeza muito forte pelo ar. Aprendi nessa vivência que o abandono também sorri. No primeiro dia do estágio, todos lanchavam juntos, alguns sentavam-se no mesmo sofá em silêncio. Vivenciei ali um grupo de amigos que não tinham mais assunto; e então concluí que tudo acaba com o tempo caso não existam estímulos.
Hoje, posso garantir que ter vivido todas essas cenas foi um grande aprendizado! A modificação desse olhar é essencial para a existência. É a humanidade se enxergando, colocando uma lupa: a arte como tábua de salvação, como queria Nietzsche. A arte conta a história da humanidade de uma maneira mais profunda e sincera, além de preencher os nossos próprios vazios.
Para que a arte serve? Ela serve para a gente preencher como Manoel de Barros fala da poesia; e a poesia é inútil. Ela não precisa servir para nada, mas ela preenche o vazio que é tão forte e todo mundo o sente de alguma maneira. Ninguém é completo. Deve ser por isso que, depois dessa vivência, saí do local todos os dias querendo voltar, tanto para lá quanto para a minha casa, pros meus agora “trinta e poucos anos”. Pesquisar, escrever e aproveitar a vida enquanto é tempo.
Foto: Graziela Kohl/Flickr/Ilustração
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Sobre Ana Beatriz Amorim, colunista do portal Por Dentro do RN
Ana Beatriz Amorim tem 34 anos, é jornalista e designer gráfica formada pela UnP. Também é fotógrafa, licenciada em Artes Visuais pela UFRN e especialista em Assessoria de Comunicação. Adepta da teoria do faça uma coisa de cada vez e seja múltipla, escreve a respeito do cotidiano, artes, cultura e esporte. É proibida a reprodução total ou parcial deste texto sem autorização do autor e sem a inserção dos créditos, de acordo com a Lei nº 9610/98.