Estudo relaciona crescimento de renováveis no Brasil com grilagem de terras; empresas estrangeiras têm alta participação na geração de energia eólica e solar.
Um estudo científico publicado nesta segunda-feira (13.mai.2024) detalha como a expansão rápida da geração de energia eólica e solar, nas últimas duas décadas, favoreceu o avanço irregular de empresas sobre terras, inclusive públicas, para a instalação de usinas no Brasil, em especial no Nordeste. O material também avalia a presença de atores privados estrangeiros no mercado.
Até 2021, mais de um terço dos parques eólicos foi construído em locais sem título de terra, sendo que áreas públicas não-designadas de uso comum respondem por 7% do total ocupado e outras formas de terras públicas, 2%. Além disso, 28% da área registrada até aquele ano baseia-se exclusivamente no Cadastro Ambiental Rural (CAR), instrumento inválido como comprovante de titulação fundiária.
A análise foi feita por pesquisadores da Universidade de Recursos Naturais e Ciências da Vida (Áustria) e da London College (Inglaterra) e publicada na revista “Nature Sustentability”. Ela cruza dados espaciais de parques eólicos e solares, situação fundiária e investimentos realizados entre 2000 e 2021.
Empresas globais, principalmente da Europa, têm dedicado significativos investimentos ao setor energético do Brasil. Embora empresas listadas como nacionais respondam por 89% dos parques eólicos, a maioria opera como subsidiárias de conglomerados internacionais. Empresas com participação estrangeira atuam em 78% do terreno ocupado por parques eólicos. O índice sobe para 96% no caso de usinas de energia solar fotovoltaica.
As dez maiores empresas eólicas constam como brasileiras, mas sete delas são subsidiárias de companhias de fora e somam 68% da área dedicada a esses parques no país. As gigantes Enel (Itália) e Engie (França) detêm juntas 52% da área.
A energia solar fotovoltaica centralizada mostra um nível ainda maior de participação estrangeira: está em 90% da área ocupada pela atividade. Só a Enel está em 30% dessas terras. Muitas dessas empresas, destaca a análise, têm financiamento do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).
A Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) exige a garantia de direito de utilização do espaço para conceder a outorga, que autoriza a instalação e a operação, às empresas. Com isso, há uma corrida pelo arrendamento ou cessão de uso da área onde o parque será instalado.
Esse processo tem prejudicado severamente os pequenos proprietários, que estão sujeitos a contratos abusivos, como demonstrou estudo publicado pelo Inesc em 2023.
“Dado o ritmo de aquisição de terras, há uma correlação direta entre a privatização (da terra) e o desenvolvimento de parques eólicos e solares fotovoltaicos”, escrevem os autores em uma nota que acompanhou a publicação. “Isso é particularmente grave no Nordeste do Brasil, onde as condições geofísicas são ideais para o desenvolvimento de energia renovável, mas a posse da terra é sujeita a uma profunda insegurança e conflito decorrente de inequidades históricas na propriedade da terra, lacunas regulatórias e governança fraca.”
“Grilagem verde”
No Brasil, parques eólicos e usinas solares fotovoltaicas têm se expandido rapidamente desde 2010. Essa expansão foi impulsionada por políticas energéticas voltadas a diversificar a matriz elétrica e reduzir a dependência nacional em hidrelétricas.
Se, por um lado, o objetivo foi alcançado, por outro o avanço se deu com poucos cuidados para evitar impactos, especialmente sobre comunidades e povos tradicionais e campesinos.
“A grilagem verde enfatiza o impacto de agendas ‘verdes’ que legitimam esses negócios de terra, como esforços para mitigar as mudanças climáticas. A modificação da posse da terra no contexto da transição energética leva a uma reestruturação abrangente das regras legais e da autoridade para garantir o acesso e o controle sobre a terra e, como relatado no Brasil, também pode contribuir para a anistia de grilagens ilegais anteriores e, portanto, para formas legitimadas de desapropriação.”
Um documento apoiado pelo projeto Nordeste Potência traz mais de cem recomendações para reduzir os impactos fundiários da expansão das fontes eólica e solar.
“Não é possível que os setores de energia eólica e solar perpetuem práticas irregulares em nome de uma ‘agenda verde’, nem que bancos, Estados e o governo federal compactuem com as inúmeras violências envolvidas na geração de eletricidade”, diz a coordenadora do Nordeste Potência, Cristina Amorim. “Medidas responsáveis devem ser tomadas urgentemente, para que possamos combater as mudanças climáticas e as desigualdades sociais ao mesmo tempo.”
Foto: Joelma Antunes/Coletivo de Assessorias Cirandas
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