Estudo apresentado na COP28 aponta que floresta tropical pode se tornar savana em duas décadas
O climatologista brasileiro Carlos Nobre afirmou, em entrevista à Agência Lusa, que a Amazônia está “muito próxima” do ponto em que deixará de ser uma floresta tropical e se tornará uma savana.
Nobre, que participa de cinco estudos sobre a Amazônia brasileira apresentados na 28ª Conferência do Clima das Nações Unidas (COP28), que se realiza no Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, até o próximo dia 12, explicou que o período de seca na região tem aumentado nas últimas décadas, num claro sinal de que o chamado ponto de não retorno, ou seja, a “savanização” do bioma, está próximo.
“Nós estamos muito próximos desse ponto de não retorno porque em todo o sul da Amazônia a estação seca está muito mais longa. Essa estação era de três a quatro meses. Hoje, está de quatro a cinco meses. Se chegar de cinco a seis meses em duas décadas, se continuarmos nessa direção, já é um clima de savana tropical, do cerrado e não mais um clima da Amazônia”, afirmou.
O especialista citou como exemplo da perda de vitalidade do bioma, que é fundamental para deter o aquecimento global, o fato de no sul do Pará e no norte de Mato Grosso a floresta amazônica já se ter tornado uma fonte de carbono, ou seja, emite mais carbono na atmosfera do que absorve.
“Por que a estação seca [na Amazônia] está ficando mais longa? É uma combinação complexa, sinergética, entre o aquecimento global que está fazendo os fenômenos se tornarem mais extremos”, afirmou, mencionando o El Niño, fenômeno climático natural que ocorre em média a cada dois a sete anos, associado ao aumento das temperaturas da superfície no centro e leste do Oceano Pacífico tropical, mas que tem efeitos em todo o mundo.
“Por que os el Niños fortes estão se tornando mais frequentes? Aquecimento global, oceanos mais quentes. O Pacífico Equatorial mais quente. O Oceano Atlântico, ao Norte do Equador, está batendo recordes de temperatura e isso induz secas na Amazônia”.
Além das alterações climáticas, o cientista brasileiro, que no ano passado foi eleito o membro estrangeiro da Royal Society, instituição britânica que promove o conhecimento científico no mundo, citou o desflorestamento aliado à criação de gado no Norte do Brasil, que aumentou muito nas últimas décadas.
“O lugar com pastagem é muito pouco eficiente para reciclar água. A pastagem não recicla água como a floresta recicla durante a estação seca. A floresta recicla a água de uma forma muito eficiente, então, é isso que está acontecendo. Essas são as razões. Secas frequentes como em 2005, em 2010, entre 2015 e 2016 e [a seca recorde na Amazônia registada] agora em 2023, que vai até 2024”, acrescentou.
“Antes, tínhamos uma seca mais pronunciada na Amazônia a cada duas décadas. Agora, quatro secas em duas décadas, ou seja, três a quatro vezes mais frequentes e, isso, junto com o desflorestamento, coloca a Amazônia num enorme risco de chegar ao ponto de não retorno”, afirmou.
A avaliação de Nobre vai ao encontro de dados do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), o grupo de cientistas estabelecido pelas Nações Unidas para monitorar e assessorar toda a ciência global relacionada com as alterações climáticas, do qual foi integrante. Os dados indicam que a savanização da Amazônia já é um fenômeno em curso.
A Amazônia é a maior floresta tropical do mundo, tem a maior biodiversidade registrada no planeta, com cerca de 5,5 milhões de quilômetros quadrados, e inclui territórios do Brasil, Peru, da Colômbia, Venezuela, do Equador, da Bolívia, Guiana, do Suriname e da Guiana Francesa (pertencente à França).
Foto: A. Duarte/Visualhunt/Ilustração
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