Tarifa zero vira promessa de eleição: Lula quer gratuidade, mas entidades alertam risco de “buraco fiscal”

Tarifa zero vira promessa de eleição: Lula quer gratuidade, mas entidades alertam risco de “buraco fiscal”

Por Thiago Martins – thiagolmmartins@gmail.com
Mobilidade em Pauta

Projeto nacional de transporte gratuito ganha tração no Congresso, mas estimativas de custo variam de R$ 90 bi a R$ 200 bi por ano

O debate sobre a tarifa zero no transporte coletivo urbano — que parecia uma bandeira mais ornamental do que concreta — ganhou novo fôlego neste fim de semana, com divulgação de que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva já deu sinal verde para avançar com a proposta em campanha, mesmo com custos incertos e objeções técnicas. A matéria do Estadão aponta que prefeitos já estão sendo sondados, mas muitos alertam que ainda não há clareza sobre quem pagará essa conta.

Panorama da proposta

Conforme apurado pelo Estadão, Lula já informou interlocutores e membros do Judiciário de sua intenção: tornar o transporte urbano gratuito em todo o país, implementando um passe livre nacional. Para isso, o PT já estuda abrir uma rubrica no Orçamento de 2026, ainda que o programa comece de forma gradual.

Na capital paulista, por exemplo, o sistema de ônibus custa cerca de R$ 12 bilhões ao ano. Atualmente, a Prefeitura subsidia metade desse valor, enquanto empresas e usuários cobrem o restante. Sem subsídio, a tarifa de R$ 5,00 teria de subir para cerca de R$ 8,60. A ideia em debate é que o governo federal banca a parte hoje paga pelos passageiros (estimada em R$ 3 bi em São Paulo), enquanto municípios e empresas continuariam com suas parcelas.

O deputado Jilmar Tatto (PT-SP) lidera a Frente Parlamentar em defesa da tarifa zero e já coordena conversas com prefeitos para adesão. Ele admite que não sabe quanto custaria o programa, mas defende que o objetivo é favorecer o usuário, não aumentar encargos sobre os municípios.

Cautela e ceticismo entre especialistas

A proposta, apesar de ambiciosa, enfrenta críticas duras de especialistas e entidades do setor de transportes. A Associação Nacional das Empresas de Transporte Urbano (NTU) estima que o custo pode chegar a R$ 90 bilhões por ano, enquanto a Confederação Nacional dos Municípios (CNM) projeta até R$ 200 bilhões — diferença que revela a dificuldade de definição orçamentária.

Marcos Bicalho, diretor de Gestão da NTU, alerta para os três grandes desafios: fiscal, operacional e regulatório. Ele enfatiza que, embora a proposta ganhe apelo político, não há dados consolidados de custo para grandes cidades em escala nacional.

A CNM critica a proposta como uma medida lançada de forma precipitada e eleitoreira: “É estarrecedor querer discutir isso da forma como estão fazendo. Parece que não conhecem a realidade das prefeituras.”

Outro ponto de atenção: em regiões metropolitanas, muitos usuários cruzam municípios e usam modais como trens ou metrôs, o que complicaria a adaptação do modelo universal.

Experiências no Brasil e aprendizados

Até maio de 2025, 154 municípios já adotavam alguma forma de tarifa zero (total ou parcial) — mas a maioria são cidades pequenas. Apenas 12 com mais de 100 mil habitantes operam gratuidade universal.

Casos emblemáticos como Caucaia (CE) enfrentaram picos abruptos de demanda: a adoção da gratuidade elevou o número de passageiros em 389%, forçando ampliação da oferta de ônibus em 46%. Esse fenômeno, embora positivo no acesso, exigiu investimentos estruturais.

Em Belo Horizonte (MG), um projeto de gratuidade foi recentemente votado — mas rejeitado pela Câmara por 30 votos contra 10 —, mesmo com previsão de financiamento via contribuição de empresas com mais de dez funcionários. A proposta previa arrecadação de cerca de R$ 2 bilhões.

Benefícios esperados vs perigos concretos

A favor:

  • A proposta pode aliviar o bolso de milhões de trabalhadores, especialmente nas periferias.
  • Estímulo à economia local, com aumento do consumo e circulação urbana.
  • Potencial redução de acidentes de trânsito e poluição ao incentivar o transporte coletivo.
  • Em estudo recente, políticas de transporte gratuito aumentaram o emprego em 3,2% e reduziram emissões em 4,1%, segundo metodologia de diferença-em-diferenças.

Contra:

  • Sem aumento proporcional da oferta de ônibus, o sistema pode entrar em colapso: superlotação, atrasos, queda de qualidade.
  • Precificação de contratos mal revisados pode gerar distorções e pagamentos duplicados.
  • Se o subsídio for mal distribuído, municípios com menor capacidade orçamentária podem arcar com prejuízos.
  • A falta de consenso sobre fonte de financiamento favorece especulações e riscos fiscais.

Caminhos e “atalhos” possíveis

Algumas teses vêm ganhando força:

  • Uso do vale-transporte hoje pago pelas empresas como base de recursos para custear parte da tarifa zero.
  • Criação de fundos municipais exclusivos para transporte coletivo, alimentados por alíquotas que já incidem no sistema (estacionamento, publicidade, taxas urbanas etc.).
  • Financiamentos via royalties de petróleo, fundo social ou Cide-Combustíveis, mencionados por articuladores do governo.
  • Transição por etapas: gratuidade a estudantes, idosos, em horários específicos ou em linhas prioritárias, antes da universalização.

Embora tenha ganhado destaque e ambição política, a proposta da tarifa zero nacional ainda carece de dados robustos, modelo de financiamento claro e estratégia de execução coerente. A pressão eleitoral pode acelerar sua apresentação, mas o sucesso dependerá da capacidade de articular gestão pública, transparência e equilíbrio fiscal em médio e longo prazo.

Fotos: Ciete Silvério/Prefeitura de São Paulo / Paulo Pinto/Agência Brasil

thiago martins

Sobre Thiago Martins, colunista do Por Dentro do RN

Thiago Martins é jornalista formado pela UFRN e há 15 anos dedica-se ao estudo e à cobertura do setor de mobilidade urbana. Escreve sobre o tema desde o início da carreira, colaborando com portais de notícias especializados e acompanhando de perto as transformações na mobilidade ativa, no setor de transportes e na infraestrutura urbana. É proibida a reprodução total ou parcial deste texto sem autorização do autor e sem a inserção dos créditos, de acordo com a Lei nº 9610/98.

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