Com legado centenário, produtora de queijos no sertão do RN se destaca por produção sustentável

Com legado centenário, produtora de queijos no sertão do RN se destaca por produção sustentável

Há dez anos à frente da Queijaria JC Caicó, Claudia Araujo tem planos de expansão para todo o país

A produção de queijo manteiga na região do Seridó, zona central do estado do Rio Grande do Norte, é uma tradição enraizada e um pilar essencial da economia local. Segundo a Agência de Desenvolvimento Sustentável do Seridó (ADESE), a região abrange 17 municípios e possui aproximadamente 315 unidades produtivas do alimento. Em Caicó, a queijaria de Claudia Araujo, presente em sua família há quase um século, é um exemplo desse legado regional.

Inicialmente, Claudia não tinha interesse em seguir os passos do pai e do marido na queijaria, mas, a necessidade de ajudar na fazenda e o incentivo de amigos a levaram a mergulhar no universo dos queijos. “Com alguns materiais emprestados começamos a tirar leite e a produzir o queijo, só nós dois, sem mais ninguém. Em seis meses, começamos a crescer e a ganhar conhecimento regional”, relembra a produtora.

A Queijaria JC Caicó é administrada pela família de Claudia há dez anos. No entanto, a tradição de produção de queijos na família de seu marido está presente há um século, enquanto na família de Claudia, essa paixão pelo queijo já dura duas gerações. A mão de obra é quase totalmente familiar, envolvendo a produtora, seu marido e seus três filhos. De ajuda externa, Claudia conta com três atravessadores que levam seus produtos para a capital do estado e demais cidades.

Aos poucos, eles conquistam mais clientes. Além do Rio Grande do Norte, seus queijos agora chegam a locais em São Paulo, Rio de Janeiro e João Pessoa, com 90% da produção sendo destinada fora da cidade. Atualmente, 60% das vendas são terceirizadas, enquanto 40% são realizadas diretamente ao consumidor final, graças ao recente reconhecimento da marca e da qualidade dos queijos.

Para o futuro, Claudia tem um único desejo: uma sucessão familiar equilibrada, onde seus filhos não precisem se dedicar integralmente ao trabalho. Para isso, pretende automatizar ainda mais sua fazenda, otimizando o processo de ordenha das vacas. “Atualmente, temos um sistema que ordenha quatro vacas e queremos expandir para oito, o que melhorará a eficiência da mão de obra e a qualidade do queijo, pois usaremos nosso próprio leite para toda a produção”, conta. Com essa mudança, a produção diária aumentaria para 1.200 litros de leite, o dobro da atual.

Tradição e tecnologia

Claudia e sua família combinam técnicas industriais, como o uso de caldeiras e máquinas de ordenha, com métodos artesanais, preservando assim a essência e o sabor que são o diferencial de seus queijos. “Muitas pessoas associam ‘indústria’ e ‘laticínio’ a produtos industrializados, mas, apesar de operarmos como uma queijeira com características industriais, a maioria dos processos é feito manualmente e acompanhados de perto”, explica Claudia.

Na propriedade de 241 hectares, todo o processo de fabricação de queijo ocorre ao longo de aproximadamente 24 horas. “Primeiro, eu separo a gordura do leite para a produção da manteiga. No dia seguinte, o leite coalhado é drenado e lavado para formar a coalhada, que depois é cozida, salgada e misturada com manteiga. Após moldagem e secagem, os queijos estão prontos para embalar e vender”, explica a produtora.

Os resultados conquistados ao longo desses dez anos de trabalho refletem o esforço de Claudia e seu marido conseguem desfrutar dos resultados. Durante esse período, a produção semanal de leite aumentou significativamente, saltando de 3 mil para 11 mil litros, enquanto a produtividade diária do queijo quadriplicou, passando de 30 kg para 150 kg de queijo vendidos por dia. Esses avanços foram impulsionados não apenas pela mecanização da ordenha das vacas, anteriormente manual, mas também pela substituição do fogão a lenha por caldeiras na produção dos queijos.

Para alcançar esses números, Claudia destaca que um dos maiores desafios foi manter a qualidade do produto do início ao fim, uma vez que a produção do queijo manteiga exige atenção meticulosa a todos os detalhes, desde a seleção dos ingredientes até o controle rigoroso das condições de produção e armazenamento. Por isso ela estabeleceu como meta usar exclusivamente o leite de suas próprias vacas na fabricação dos queijos. Isso garante controle total sobre a qualidade do leite desde a alimentação e manejo do gado até a ordenha, resultando em um produto mais consistente, saboroso e livre de variações indesejadas.

ESG e reconhecimento

A sustentabilidade e a preocupação com o social também são prioridades na Queijaria JC Caicó. Para alimentar seu gado, Claudia reaproveita a água utilizada na produção dos queijos e cultiva a palma forrageira, uma planta resistente a altas temperaturas e comumente utilizada para nutrição de bovinos leiteiros em regiões de escassez hídrica. “Temos tanques abaixo da queijeira onde armazenamos água, que usamos para cultivar a palma. Com isso, conseguimos otimizar o uso de nossos recursos”, explica.

Outra prática comum na propriedade é receber visitantes de diferentes estados, além do próprio Rio Grande do Norte, para fins educativos. Seu irmão, que estudava gastronomia, viu na fazenda uma oportunidade de disseminar a tradição e o conhecimento gerados ali. Com isso, passou a organizar grupos de estudantes e levá-los até a queijaria para conhecerem a produção de queijo. Desde então, isso se tornou recorrente.

“As visitas duram no máximo meia hora, mas para cursos práticos oferecemos o tempo necessário. Recebemos alunos de gastronomia de Recife e até crianças. Mostramos todo o processo de produção e tentamos educá-los sobre a autenticidade dos produtos, além de oferecer degustações dos queijos e dos doces que produzimos”, relata Claudia.

Essas e outras boas práticas agrícolas aplicadas na queijaria garantiram a Claudia o segundo lugar na categoria média propriedade da sexta edição do Prêmio Mulheres do Agro. A iniciativa, idealizada pela Bayer em parceria com a Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), existe desde 2018 e já premiou 54 produtoras e uma pesquisadora do setor. “É gratificante que haja uma premiação dessas, pois inspira outras mulheres a irem além e mostrarem seu potencial”, diz.

Claudia foi anunciada como uma das vencedoras em outubro de 2023, durante o 8º Congresso Nacional das Mulheres do Agronegócio. Até o dia da cerimônia, a produtora conta que ainda estava incrédula de onde havia chegado e sem acreditar que, de fato, receberia o reconhecimento. “Nunca quis ser a melhor, sempre fiz o que faço porque gosto. Cresci na zona rural, onde o dia a dia me ensinou a apreciar cada momento. Tudo o que faço, faço com prazer”. Além do reconhecimento, Claudia diz que se tornar uma inspiração para outras mulheres de sua região após a premiação, tem sido gratificante.

Das 54 produtoras rurais vencedoras do Prêmio Mulheres do Agro até agora, Claudia é a segunda representante do Rio Grande do Norte. “É preciso acreditar em si mesma e não esperar que alguém acredite por nós ou nos diga que somos capazes. É essencial que nós, mulheres, nos valorizemos pelo trabalho que realizamos. Muitas vezes ficamos nos bastidores e nos dedicamos intensamente a algo. Então, o que eu digo é: mostrem ao mundo que são vocês que fazem o trabalho”, encoraja a produtora.

As inscrições para a sétima edição do Prêmio Mulheres do Agro estão abertas até 31 de julho. Para se inscrever ou indicar uma produtora rural, basta acessar o site da premiação.

Foto: Divulgação

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