Sai de cena a guitarra violada de Paulo Rafael, por Abner Moabe
Ter uma identidade artística única é para poucos, independente de qual seja a linguagem. Na música, ter uma sonoridade que soe original depende de vários fatores; e, se Alceu Valença teve êxito nessa empreitada, muito se deve a Paulo Rafael, guitarrista, arranjador e seu fiel escudeiro por 46 anos, falecido hoje aos 66 anos após uma batalha contra o câncer.
Tendo iniciado sua carreira na banda Ave Sangria, que já apresentava uma sonoridade ousada numa mistura de rock psicodélico e música nordestina, Paulo Rafael e Alceu se conheceram numa noitada em Olinda, curiosamente na mesma noite em que Alceu conheceu de perto uma jovem bailarina que mais tarde ele a batizaria de “a moça bonita da praia de Boa Viagem”.
Mas é apenas em 1975 que a história dos dois no palco começou de fato; quando Alceu convidou o Ave Sangria para lhe acompanhar no festival Abertura defendendo a música Vou Danado pra Catende. A banda preferiu seguir sendo base para Alceu Valença e, ao longo dos anos, os músicos foram saindo, restando apenas Paulo Rafael.
Com exceção de Molhado de Suor (1974), todos os demais discos de Alceu Valença tiveram a presença da guitarra de Paulo Rafael; e é praticamente impossível pensar no que seria da música do artista de São Bento do Una sem seu o parceiro guitarrista. Paulinho, como era carinhosamente chamado, foi o a cara e o som da guitarra nordestina e deu a sonoridade que transformaria Alceu em um ícone da música brasileira; e isso é um das coisas que mais chama a atenção. Paulo Rafael nunca foi de procurar os holofotes, preferia ficar ali do lado direito do palco com a sua guitarra fazendo o necessário para que a Alceu e a sua música fossem as estrelas. E conseguiu.
Vai ser difícil ouvir o riff inicial de Anunciação com a mesma emoção. Eu costumava dizer que, provavelmente, os dedos de Paulo Rafael já faziam esse solo automaticamente de tanto que ele tocou essa música na vida; sem contar em outras tantas linhas de guitarra e solos marcantes que absolutamente todo e qualquer brasileiro já ouviu mesmo sem querer. Como li mais cedo, quem é fã de Alceu é fã de Paulo Rafael mesmo que não saiba, pois ele entrou para o seleto rol dos que conseguiram o feito de tocar o coração de uma nação tão heterogênea como a nação brasileira.
Se tantas vezes sua guitarra anunciou a chegada numa manhã de domingo, No Romper da Aurora de uma segunda é que ele nos deixa e eu apenas agradeço cantando:
“Quando o sol beijar a lua
E a lua for embora
Entro na rua do Sol
Dobro na rua da Aurora
Meu amor eu vou chorando
É chegada a nossa hora
Meu bem já vou embora
Vou, eu vou
No romper da aurora
Vou que vou”
Ao mestre Paulo Rafael, toda a minha reverência!
Foto: Reprodução/Instagram
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Além de Paulo Rafael e Alceu Valença, Abner Moabe também fala sobre cultura brasileira, MPB e artistas potiguares no Por Dentro do RN
Abner Moabe tem 27 anos, é jornalista formado pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte e graduando em Ciências Sociais pela mesma instituição. Além disso, atua no projeto de educação e cultura Conexão Felipe Camarão e vem desenvolvendo projetos de pesquisa sobre a música do Rio Grande do Norte. É proibida a reprodução total ou parcial deste texto sem autorização do autor e sem a inserção dos créditos, de acordo com a Lei nº 9610/98.
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