Motivação da morte de Marielle envolve questão fundiária e milícia
Ministro da Justiça destacou disputa política na Câmara Municipal
A principal motivação do assassinato da vereadora Marielle Franco, revelada neste domingo (24), envolve a disputa em torno da regularização de territórios no Rio de Janeiro.
Em coletiva de imprensa para apresentar os resultados da investigação, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, leu trechos do relatório da Polícia Federal (PF), de mais de 470 páginas, citando a divergência entre Marielle Franco e o grupo político do então vereador Chiquinho Brazão em torno do Projeto de Lei (PL) 174/2016, que buscava formalizar um condomínio na Zona Oeste da capital fluminense.
Citando uma “reação descontrolada” de Chiquinho Brazão pelo resultado apertado da votação do PL no plenário da Câmara Municipal, segundo relatório da PF, o ministro afirmou que o crime começou a ser preparado ainda no segundo semestre de 2017.
“Me parece que todo esse volumoso conjunto de documentos que recebemos, esse é um trecho extremamente significativo, que mostra, pelo menos, a motivação básica do assassinato da vereadora Marielle Franco, que se opunha, justamente, a esse grupo, que, na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, queria regularizar terras, para usá-las com fins comerciais, enquanto o grupo da vereadora queria usar essas terras para fins sociais, de moradia popular”, afirmou Lewandowski.
Segundo ele, a PF apontou que Domingos Brazão, um dos envolvidos, tem longa relação com grilagem de terras e ação de milícias.
Na mesma linha, o diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues, mencionou os elementos apurados na investigação. “Motivação tem que ser analisada no contexto. O que há são várias situações que envolvem a vereadora Marielle Franco, que levaram a esse grupo de oposição, que envolve também a questão ligada a milícias, disputa de territórios, regularização de empreendimentos. Há seis anos, havia um cenário e culminou nessa disputa”, afirmou o delegado.
A investigação da Polícia Federal concluiu que os irmãos Domingos e Chiquinho Brazão contrataram o ex-policial militar Ronnie Lessa para executar a vereadora Marielle Franco, em 2018. Na ocasião, o motorista dela, Anderson Gomes, também foi morto. Fernanda Chaves, assessora da vereadora, sobreviveu ao atentado.
A conclusão está no relatório final da investigação, divulgado após o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), retirar o sigilo do inquérito.
Domingos Brazão, conselheiro do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro, e Chiquinho Brazão, deputado federal, foram presos na manhã de hoje por determinação de Moraes.
Segundo o ministro da Justiça, o crime é relevador do “modus operandi” da milícia e do crime organizado no Rio de Janeiro.
“A partir desse caso, nós podemos talvez desvendar outros casos, ou seguir o fio da meada cuja dimensão não temos clara. Essa investigação é uma espécie de radiografia de como opera a milícia e o crime organizado no Rio de Janeiro”.
Delegado envolvido
No documento da PF, os investigadores mostram que o plano para executar Marielle contou com a participação de Rivaldo Barbosa, ex-chefe da Policia Civil do Rio. Segundo a PF, Rivaldo “planejou meticulosamente” o crime. Barbosa também foi preso na operação deste domingo.
“O que pode ser dito é que, antes do crime, havia uma relação indevida desse [Rivaldo], que era então chefe da Delegacia de Homicídios, depois, chefe de Polícia, para desviar o foco da investigação daqueles que são os verdadeiros mandantes do crime”, observou o diretor-geral da PF.
Rivaldo Barbosa é demitido de universidade onde lecionava Direito
A Universidade Estácio de Sá desligou de seu quadro o delegado Rivaldo Barbosa, que era professor de direito desde 2003 e coordenador adjunto do curso desde 2022, segundo seu perfil na rede social LinkedIn.
O ex-chefe de Polícia Civil do Rio de Janeiro foi preso neste domingo por suspeita de envolvimento no planejamento do assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, em 2018.
“A instituição informa que o professor não faz mais parte de seus quadros, e que já foram tomadas todas as medidas necessárias para sua substituição e para a continuidade das aulas. Reforçamos que nossa atuação é sempre pautada por princípios de ética, correção e não-violência e que a direção da unidade está sempre à disposição dos alunos para qualquer necessidade”, disse a universidade por meio de nota.
Rivaldo Barbosa foi nomeado chefe da Polícia Civil pela Intervenção Militar na Segurança Pública do Rio de Janeiro, em 2018, e assumiu o posto na véspera do crime de que é acusado de envolvimento.
Em entrevista à imprensa um dia após o assassinato, Barbosa disse diante da família de Marielle Franco que a polícia adotaria todas as medidas “possíveis e impossíveis” para dar uma resposta ao assassinato.
“Estamos diante de um caso extremamente grave e que atenta contra a dignidade da pessoa humana e contra a democracia”, chegou a afirmar ele, que foi preso com os irmãos Domingos Brazão e Chiquinho Brazão, que são acusados de encomendar o crime.
Secretário bancou nomeação de Rivaldo, apesar de recomendação contra
O ex-chefe da Policia Civil do Rio de Janeiro Rivaldo Barbosa foi nomeado para o cargo dez dias antes do assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes.
Ele foi preso nesse domingo (24), por determinação do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, sob a acusação de atuar no planejamento do crime.
O ex-chefe da Polícia Civil foi nomeado no dia 8 de março de 2018 e empossado no dia 13, um dia antes do assassinato, que ocorreu na noite de 14 de março.
No relatório divulgado após a prisão, os investigadores afirmaram que Rivaldo foi efetivado no cargo de comando da Polícia Civil do Rio pelo então secretário de Segurança Pública, general de Exército Richard Nunes.
Na época, o Rio estava sob intervenção federal na área de segurança pública e tinha como interventor o general da reserva Braga Netto.
Segundo a Polícia Federal, Richard Nunes bancou a nomeação de Rivaldo mesmo diante de um parecer da área de inteligência da pasta que não recomendava a efetivação. Para os investigadores, na época, as suspeitas contra Rivaldo estavam na “iminência de eclodir”.
“Entretanto, o general bancou a nomeação de Rivaldo à revelia do que havia sido recomendado”, diz o relatório.
A PF também diz no documento que Rivaldo nomeou o delegado Giniton Lages para a delegacia de homicídios no dia seguinte ao assassinato de Marielle. Segundo a investigação, o delegado era “pessoa de confiança” do então chefe de polícia.
“Com a assunção do cargo por Giniton, se operacionalizou a garantia da impunidade dos autores do delito. Inicialmente essa garantia se alastrou, inclusive aos autores imediatos, o que foi narrado por Ronnie Lessa na terceira e última reunião em que participou na presença dos Irmãos Brazão, oportunidade na qual lhe foi indicado que Rivaldo estava promovendo a deflexão da investigação”, diz ainda o relatório.
Outro lado
Ouvido pela PF durante as investigações, o general Richard Nunes prestou depoimento aos delegados e negou ter ingerência na escolha de Rivaldo.
“A Subsecretaria de inteligência contraindicou o nome de Rivaldo, mas o depoente decidiu pelo seu nome, tendo em vista que tal contraindicação não se pautava por dados objetivos. Teve contato com Rivaldo na época da força de pacificação”, diz o depoimento.
Lessa diz em depoimento que Brazão infiltrou miliciano no PSOL
O ex-policial militar Ronnie Lessa afirmou em depoimento de delação premiada que Domingos Brazão colocou um homem infiltrado no PSOL para levantar informações sobre a vereadora Marielle Franco.
Conselheiro do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro, Brazão foi preso na manhã de hoje e é apontado pela PF como um dos mandantes do assassinato em parceria com o irmão, o deputado federal Chiquinho Brazão, que também foi preso.
No depoimento, Lessa afirmou que ouviu Brazão dizer que colocou Laerte Silva de Lima, acusado de pertencer a uma milícia que atua no Rio, para espionar políticos. Laerte se filiou ao partido em 2016, 20 dias após as eleições.
A afirmação está no relatório final da investigação da Polícia Federal, que concluiu que os irmãos Brazão foram os mandantes do assassinato de Marielle.
“Ronnie Lessa ouviu de Domingos Brazão que o infiltrado Laerte teria levantado que Marielle pediu para a população não aderir a novos loteamentos situados em áreas de milícia”, diz o relatório.
Em nota à Agência Brasil, o PSOL-RJ afirmou que, ao tomar ciência da filiação de milicianos infiltrados, encaminhou o caso para o diretório nacional solicitando expulsão, processo que ocorreu após alguns meses, “para evitar que este ato chamasse a atenção destes atores para as investigações em curso”.
Ainda segundo o partido, “os dois infiltrados encontram-se desfiliados do PSOL, como é possível constatar no sistema do TSE”.
Monitoramento
O relatório da PF também cita que Ronnie Lessa, delator e executor confesso de Marielle, também monitorou políticos do PSOL.
Lessa usou um site de consultas cadastrais disponível na internet para procurar informações sobre a filha do ex-vereador e atual presidente da Embratur, Marcelo Freixo, e sobre o deputado Chico Alencar.
“Trata-se, portanto, de relevante evidência que vai ao encontro das declarações do colaborador, conferindo verossimilhança à afirmação de que havia um interesse antigo em membros do PSOL, ao mencionar que realizara levantamentos acerca desta temática a pedido de Macalé [miliciano], por interesse dos Brazão”, escreveram os investigadores.
Foto: Renan Olaz/CMRJ
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